• Entenda o que é a síndrome de realimentação no paciente crítico

A síndrome de realimentação é uma complicação hidroeletrolítica considerada grave, com potencial de morte, que acontece após o processo de reintrodução da dieta por via oral, enteral ou mesmo parenteral1.

Essa condição foi inicialmente descrita em sobreviventes dos campos de concentração e associada à inanição grave. E apesar de ser relatada em literatura médica há mais de 65 anos, ela ainda é pouco reconhecida1.

 

O que é a síndrome de realimentação?

A síndrome de realimentação caracteriza-se por um grupo de sinais e sintomas clínicos que ocorrem em pacientes desnutridos e caquéticos, realimentados após jejum prolongado1,2,3, como em preparo de exames diagnósticos ou em períodos pré-operatórios. Outras situações que podem levar ao risco de síndrome da realimentação são1:

 

  • Transtornos psiquiátricos, tais como, anorexia nervosa, alcoolismo crônico e depressão;
  • Desnutrição relacionada à dificuldade para deglutição;
  • Má absorção;
  • Hiperêmese gravídica;
  • Efeitos digestivos adversos da quimioterapia;
  • Síndrome do intestino curto;
  • Pós-operatório de cirurgia bariátrica;
  • Quadros de diabetes descompensados.

A incidência da síndrome é bastante variável, variando de 1 até 34%4, dependendo da população e da metodologia do estudo. A chance de o paciente desenvolver síndrome de realimentação é proporcional ao seu grau de desnutrição e presença de fatores de risco5.

 

Como ocorre a síndrome de realimentação?

No início da realimentação ocorre deslocamento do metabolismo de lipídios para o de carboidratos, com consequente aumento da secreção insulínica, o que estimula a migração de glicose, fosfato, potássio, magnésio, água e síntese proteica para o meio intracelular, podendo resultar em distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos. Este fenômeno geralmente ocorre em até quatro dias após o início da realimentação6. Além dessas mudanças, há aumento da retenção de sódio e água, e expansão do volume extracelular1.

Essa captação de nutrientes e eletrólitos leva a um decréscimo repentino da concentração no plasma pelo desvio desses íons para o espaço intracelular7.

A hipofosfatemia, diminuição na concentração de fósforo no plasma, é a alteração mais significativa da síndrome de realimentação, mas os pacientes podem também apresentar, como mostrado anteriormente em função da alteração de captação de nutrientes, hipomagnesemia, hipocalemia, hiperglicemia, deficiência de tiamina, retenção hídrica, deficiências vitamínicas e edema1.

De forma geral, múltiplos sistemas podem ser afetados na síndrome de realimentação, incluindo o cardiovascular, o respiratório, e hematológico, o músculo esquelético e o neurológico. Nos casos mais graves, pode ocorrer a disfunção de múltiplos órgãos e sistemas, sendo a arritmia cardíaca a principal causa de óbito1.

 

Como identificar pacientes com risco de síndrome de realimentação?

De forma geral, apresentam maiores risco os pacientes com perda de peso igual ou superior a 10% em dois a três meses ou pacientes com menos de 70% do peso corpóreo considerado adequado1.

Tratamento

O tratamento desses pacientes deve ser feito gradualmente. Recomenda-se que a reintrodução da dieta seja feita com cautela, com reposição de eletrólitos, minerais e vitaminas. Essa reposição pode ocorrer antes ou em paralelo com o início da dieta5.

A reposição de vitaminas pode ser feita com tiamina (100 a 300 mg por dia)9; complexo B (3 comprimidos por dia) e polivitamínicos (1 vez por dia). Essa suplementação deve ser mantida por no mínimo dez dias5. Além disso, se necessário, realizar reposição de fósforo (0,3 a 0,6 mmol/kg/dia), potássio (2 a 4 mmol/kg/dia) e magnésio (0,2 a 0,4 mmol/kg/dia)10.

Para os pacientes em risco, a prevenção da síndrome deve ser iniciada com oferta calórica menor do que 50% do almejado, entre 15 a 25 Kcal/Kg de peso com progressão lenta se não houver alterações significativas10.

Já para tratar pacientes com risco muito elevado ou extremamente desnutridos, ou seja, com perda de mais de 20% do peso corporal, ou IMC < 14 Kg/m2, ou ainda aqueles com mais de 20 dias em jejum, a recomendação inicial é de 5 a 10 Kcal/Kg de peso com progressão lenta e monitoramento frequente de fósforo, magnésio e potássio. A expectativa para esses pacientes é atingir a meta de dieta diária entre o quarto e sétimo dia de tratamento10.

 

 

 

 

 

Referências:

  1. GOMES, Carla Vasconcelos Afonso et al. Síndrome de realimentação: fatores de risco e diagnóstico. Research, Society and Development, v. 10, n. 15, 2021. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/19817. Acesso em janeiro de 2023.
  2. MALLET, Mark. Refeeding syndrome. Age and ageing, v. 31, n. 1, p. 65-66, 2002. Disponível em: link. Acesso em janeiro de 2023.
  3. BOATENG, Akwasi Afriyie et al. Refeeding syndrome: treatment considerations based on collective analysis of literature case reports. Nutrition, v. 26, n. 2, p. 156-167, 2010.
  4.  MEHANNA, Hisham et al. Refeeding syndrome–awareness, prevention and management. Head & neck oncology, v. 1, n. 1, p. 1-5, 2009. Disponível em: https://europepmc.org/backend/ptpmcrender.fcgi?accid=PMC2654033&blobtype=pdf. Acesso em janeiro de 2023.
  5. SAKAI, Alan Felipe; DA COSTA, Natalia Costa. Síndrome de realimentação: da fisiopatologia ao manejo. Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba, v. 20, n. 2, p. 70-72, 2018. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/RFCMS/article/view/32493. Acesso em janeiro de 2023.
  6. VIANA, Larissa de Andrade; BURGOS, Maria Goretti Pessoa de Araújo; SILVA, Rafaella de Andrade. Qual é a importância clínica e nutricional da síndrome de realimentação?. ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (São Paulo), v. 25, p. 56-59, 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/abcd/a/CQFKvzP6gS38pQnB4rJYjvJ/?lang=pt&format=pdf. Acesso em janeiro de 2023.
  7. OLINTO, Edcleide Oliveira dos Santos et al. Manejo da síndrome de realimentação. Brazilian Journal of Health Review, v. 3, n. 6, 2020. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/21492. Acesso em janeiro de 2023.
  8. NICE. National Institute for Health and Clinical Excellence. Nutrition support for adults: oral nutrition support, enteral tube feeding and parenteral nutrition: clinical guideline. 2006 (atualizado em 2017). Disponível em: https://www.nice.org.uk/guidance/cg32/resources/nutrition-support-for-adults-oral-nutrition-support-enteral-tube-feeding-and-parenteral-nutrition-pdf-975383198917. Acesso em janeiro de 2023.
  9. SAD, Matheus Horta et al. Manejo nutricional em pacientes com risco de síndrome de realimentação. BRASPEN Journal. 2019. Disponível em: http://arquivos.braspen.org/journal/out-dez-2019/artigos/18-Sindrome-de-realimentacao.pdf. Acesso em janeiro de 2023.
  10. HORIE, Lilian Mika. Diretriz BRASPEN de terapia nutricional no paciente com câncer. BRASPEN Journal. 2019. Disponível em: https://faculdadebarretos.com.br/wp-content/uploads/2019/06/Diretriz_onco-2019-separata.pdf. Acesso em janeiro de 2023.

 

 

Publicado em 20 de Setembro de 2023

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