• Dieta cetogênica para pacientes com doença renal crônica: é a melhor opção?

Originalmente, a dieta cetogênica foi criada em 1921 na Clínica Mayo em Rochester, Minnesota, EUA, pelo Dr. Wilder para tratamento de crianças com epilepsia refratária. Essa forma de nutrição restringiu carboidratos, proteínas, calorias e líquidos, aumentando significativamente a ingestão de gordura, que deve responder por, pelo menos, 90% das calorias na dieta1.

Dessa forma, a dieta cetogênica é uma dieta com alto teor de gordura, quantidade adequada de proteína e baixo teor de carboidratos, originalmente projetada para imitar os efeitos do jejum, mas por longos períodos. As calorias são frequentemente restritas a 85-90% das necessidades diárias estimadas, e os líquidos também são ligeiramente reduzidos. A evidência para a restrição de líquidos e calorias é escassa e por isso, muitos locais acabam não praticando mais1.

Com isso, a dieta cetogênica clássica, ou seja, com baixa ingestão de carboidrato, proteínas e alta de gordura, surgiu como uma possibilidade de opção nutricional para pacientes renais. Entretanto, o alto teor de proteína em algumas dietas cetogênicas pode ser preocupante.

Embora as dietas cetogênicas “clássicas” não sejam necessariamente ricas em proteínas, aquelas usadas para perda de peso geralmente atendem à definição de uma dieta rica em proteínas (> 1,5 g/ kg de peso/ dia), chegando a orientar o consumo de 1,2 a 2,0 g/ kg de peso/ dia2.

 

Alta ingestão de proteínas: qual o problema?

De uma forma geral, as diretrizes são inconclusivas sobre as recomendações relativas à ingestão de proteínas em pacientes com doença renal crônica em estágios iniciais, com algumas sugerindo 0,8 g/kg3 de peso corporal e outras recomendando até 1,4 g/kg de peso corporal4

A função renal pode ser diferentemente afetada pelas fontes de proteína, sendo a carne vermelha potencialmente prejudicial de forma dose-dependente. Outras fontes de proteína (peixe, ovo e laticínios) são menos nocivas. Proteínas derivadas de vegetais possivelmente até desempenham um papel protetor5.

Entretanto, o alto consumo de proteínas facilita a hiperfiltração, um fenômeno que aumenta o fluxo sanguíneo para o glomérulo. Acredita-se que isso causa danos, a longo prazo, em pessoas com doença renal crônica. Finalmente, a carga ácida da dieta cetogênica pode piorar a acidose metabólica e a doença renal naqueles com doença renal crônica2.

A carga ácida da dieta cetogênica vem dos alimentos consumidos (especialmente aqueles de origem animal), cetoácidos associados à produção de cetona e da falta de alimentos naturais de carga básica (álcalis), encontrados em frutas e vegetais, que são frequentemente evitados na dieta cetogênica2.

 

Dieta cetogênica e Doença Renal Crônica em Estágio Final

Ao considerar o uso de dieta cetogênica em pacientes com doença renal crônica em estágio final, é fundamental não se esquecer que essa condição é caracterizada pela capacidade limitada de lidar com cargas ácidas e por um comprometimento parcial da excreção urinária de cetonas5.

Além disso, na fase inicial de uma dieta cetogênica, o aumento da diurese exigirá monitoramento cuidadoso do peso seco objetivo se o paciente estiver em tratamento de hemodiálise. Outro possível efeito colateral é o desequilíbrio eletrolítico e, mais comumente, hipercalemia; portanto, a repetição de exames é necessária para um diagnóstico precoce5.

 

Dietas hipoproteicas seriam a solução?

Já que a ingestão de proteína pode ser um problema para o paciente com doença renal crônica, diferentes regimes com quantidades variáveis desse macronutriente têm sido propostos6.

Os cetoanálogos de aminoácidos essenciais fornecem dois benefícios importantes na redução da quantidade de ureia eliminada pelos rins6

  1. Os cetoácidos neutralizam os resíduos excessivos de nitrogênio através da transaminação e limitam a produção de ureia, quebrando assim o ciclo vicioso da doença;
  2. A suplementação com cetoácidos permite a preservação do estado nutricional, apesar da baixíssima ingestão proteica em pacientes com doença renal crônica.

 

A redução da ingestão de proteína na dieta tem sido relatada há mais de um século para melhorar os sintomas urêmicos e até mesmo para adiar o início da terapia de substituição renal; entretanto, a intervenção nutricional na uremia ainda está em debate6.

Os prós do uso de cetoanálogos estão relacionados principalmente à eficácia no manejo de certos distúrbios metabólicos da doença renal crônica, como6:

 

  • Retenção de produtos residuais de nitrogênio;
  • Acidose metabólica;
  • Anormalidades do metabolismo cálcio-fósforo.

 

Outro ponto importante a favor de uma dieta restrita em proteínas é a possibilidade de postergar o início da terapia de substituição renal devido à melhora dos sintomas e sinais urêmicos, além de melhor controle metabólico6

Mas o efeito benéfico das dietas hipoproteicas ainda não foi comprovado. Sua segurança nutricional tem sido frequentemente questionada, especificamente porque o estado nutricional deficiente antes da diálise pode aumentar a morbimortalidade em pacientes com doença renal crônica e, consequentemente, influenciar negativamente o resultado após o início da terapia de substituição renal6.

Um fato muito importante a se considerar no uso de cetoanálogos de aminoácidos relaciona-se à adesão, que geralmente é baixa e, portanto, é necessário um monitoramento nutricional rigoroso do paciente. Além disso, os altos custos dos cetoanálogos dificultam a implementação da dieta cetogênica6.

Dessa forma, é de extrema importância avaliar com precisão os prós e contras da intervenção dietética na insuficiência renal, considerando a necessidade de suplementação e o estágio da doença renal, se avançado ou não5.

 

 

 

 

 

Referências:

 

  1. KOSSOFF, Eric H. et al. Dietary therapies for epilepsy. Biomed J, v. 36, n. 1, p. 2-8, 2013. Disponível em: http://biomedj.cgu.edu.tw/pdfs/2013/36/1/images/BiomedJ_2013_36_1_2_107152.pdf. Acesso em janeiro de 2023.
  2. CROSBY, Lee et al. Ketogenic diets and chronic disease: weighing the benefits against the risks. Frontiers in nutrition, p. 403, 2021. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnut.2021.702802/full. Acesso em janeiro de 2023.
  3. KO, Gang Jee et al. Dietary protein intake and chronic kidney disease. Current opinion in clinical nutrition and metabolic care, v. 20, n. 1, p. 77, 2017. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5962279/. Acesso em janeiro de 202
  4. KIDNEY DISEASE OUTCOMES QUALITY INITIATIVE et al. K/DOQI clinical practice guidelines on hypertension and antihypertensive agents in chronic kidney disease. American Journal of Kidney Disease, v. 43, n. 5, 200 Disponível em: https://www.ajkd.org/action/showPdf?pii=S0272-6386%2804%2900268-9. Acesso em janeiro de 2023.
  5. WATANABE, Mikiko et al. Scientific evidence underlying contraindications to the ketogenic diet: An update. Obesity Reviews, v. 21, n. 10, p. e13053, 2020. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/obr.13053 acesso em janeiro de 2023.
  6. GARNEATA, Liliana; MIRCESCU, Gabriel. Effect of low-protein diet supplemented with keto acids on progression of chronic kidney disease. Journal of Renal Nutrition, v. 23, n. 3, p. 210-213, 2013.

 

 

Publicado em 19 de Julho de 2023

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